Maria Elisabette Brisola Brito Prado – UNICAMP e UNIBAN
Após um período de estudos sobre porque, o que, para que utilizar tecnologias na educação, o campo de tecnologias na educação passou a englobar estudos sistemáticos sobre como conceber, gerir e avaliar os processos de ensino e de aprendizagem em função dos objetivos pedagógicos e respectivas estratégias e agora procura explicitar a integração entre tecnologias e desenvolvimento curricular.Os estudos sobre currículo ou sobre tecnologias e educação se desenvolveram durante algum tempo desarticulados entre si, o que dificultou o enfoque globalizante na análise dos desafios e problemas emergentes no âmbito da educação que se realiza no meio de uma sociedade caracterizada pela cultura tecnológica. Tal dicotomia tem conduzido à produção de concepções teóricas e atividades nem sempre coerentes entre si.
Hoje emergem estudos que integram dois dos mais importantes temas do panorama educativo atual: tecnologias e currículo. Os estudos sobre esses dois temas têm se realizado em disciplinas acadêmicas independentes, o que muitas vezes conduzem a práticas nem sempre coerentes com as concepções teóricas abraçadas.
Sejam quais forem os aspectos preponderantes que dificultaram a integração entre tecnologias e currículo, hoje são inegáveis as potencialidades do uso educativo de tecnologias. Mas este uso traz contribuições significativas à aprendizagem quando acontece integrado a um projeto curricular com clareza da intencionalidade pedagógica voltada ao desenvolvimento da capacidade de pensar e aprender com tecnologias.
Deste modo, a integração entre currículo e tecnologias potencializa mudanças na aprendizagem, no ensino e na gestão da sala de aula. Porém, essas mudanças se concretizam quando compreendemos a concepção de currículo que almejamos desenvolver, identificamos as características intrínsecas das tecnologias que devem ser exploradas em atividades pedagógicas com intenções e objetivos claramente especificados, bem como entendemos que “a questão determinante não é a tecnologia, mas a forma de encarar essa mesma tecnologia” (COSTA, 2005).
Assim, a palavra chave é a integração entre tecnologias e currículo que se estabelece numa ótica de transformação da escola e da sala de aula em um espaço de experiência, de ensino e de aprendizagem ativa, de formação de cidadãos e de vivência democrática, ampliado pela presença das tecnologias.
O desafio mais complexo desse processo está na criação de um design educacional que seja flexível e aberto ao desenvolvimento de propostas curriculares, metodologias de trabalho e estratégias de atuação docente, que leve em conta as contribuições das tecnologias disponíveis para o alcance dos objetivos; considere a articulação entre distintas mídias e a sinergia de integrá-las à atividade; explore as características da tecnologia digital de busca,
seleção, articulação e produção de novas informações, comunicação multidirecional, representação e produção colaborativa de conhecimento. Design educacional (ALMEIDA e PRADO, 2008) é um processo dialético no qual forma e conteúdo, tecnologia e educação, se inter-relacionam e constituem o currículo construído na ação com a intenção explícita de favorecer ao aluno a aprendizagem significativa em um processo dialógico, que trabalha com o conhecimento em rede numa abordagem construtiva e sócio-interacionista.
O design educacional do currículo que se desenvolve com a mediatização das tecnologias abarca as dimensões tecnológicas, pedagógicas, sócio-históricas, cognitivas e afetivas e considera a importância de integrar diferentes tecnologias das mais convencionais à tecnologia digital, de acordo com os objetivos pedagógicos da atividade, as características das tecnologias disponíveis e as condições contextuais.
Assim, o design educacional se assemelha ao design emergente apresentado por Cavallo (2003, p.393), “que se apóia nas inovações do uso da tecnologia digital, no gerenciamento e mudança educacional que esta tecnologia propicia”. Segundo Cavallo, uma proposta de design emergente implica em assumir uma postura investigativa do contexto aliada a uma postura de ousadia e de flexibilidade para criação de estratégias de aprendizagem que propiciem a construção de conhecimentos necessários para enfrentar uma situação desafiadora. Isto não significa atuar no caos e tampouco falta de propósito. O autor ilustra este estado da mesma forma “que um conjunto de jazz pode improvisar uma música mantendo a estrutura da harmonia entre seus elementos e os princípios teóricos de seu estilo” (p.392).
Mais especificamente, o design educacional, consiste de uma ação pedagógica com uma intencionalidade clara de desenvolver um currículo a partir do esboço de um plano de trabalho que se delineia a priori e assume contornos específicos na ação conforme são identificados os conhecimentos, competências e habilidades dos alunos.
Estas características dos alunos podem ser identificadas por meio da análise dos registros digitais de suas produções e das interlocuções que estabelecem com os colegas, com o professor e com as informações disponíveis. Assim, os registros fornecem indícios do modo de pensar, das expectativas, necessidades e potencial de aprender dos alunos e auxiliam a atuação docente voltada ao desenvolvimento de um currículo que parte do universo de significados dos alunos.
Portanto, adotar a concepção de design educacional como base da prática pedagógica com o uso de tecnologias proporciona a integração de diferentes mídias ao currículo com foco na aprendizagem do aluno, em sua realidade de vida, interesses e preferências de aprendizagem (CAVELLUCCI e VALENTE, 2004).
Dessa forma, através de estratégias pedagógicas adequadas, prática e teoria se inter- relacionam e dão o mote para o desenvolvimento do currículo concebido como construção social (GOODSON, 2001), cultural e histórica que envolve conhecimento, poder, tomada de decisão, produção de identidades (PACHECO, 2001) e de conhecimentos resultantes dos diversos processos individuais e globais de construção mentais influenciados pelas relações sociais.
É importante ressaltar que as tecnologias digitais como instrumentos de informação e comunicação são constituídas de interfaces digitais, que fazem a mediação entre os sistemas computacionais ou entre estes sistemas e as pessoas ou ainda entre as pessoas por meio desses sistemas. Assim o uso dessas tecnologias implica em romper com a linearidade da representação do pensamento e implicam em novas formas de expressar o pensamento,
comunicar, perceber o espaço e o tempo, organizar e produzir conhecimento com o uso de múltiplas linguagens (escrita, visual, sonora...).
Nesse sentido, as tecnologias digitais e respectivas interfaces hipermídia não se caracterizam apenas como recurso ou suporte, pois conforme afirma Manovich o conteúdo e a interface se entrelaçam e se misturam de tal modo que não podem mais ser considerados entidades separadas, isto é “a interface modela a forma pela qual o usuário concebe o próprio computador e determina como o usuário pensa qualquer objeto midiático que é acessado via computador” (BEIGUELMAN, 2003, p.68). Isto significa que a tecnologia digital faz parte do
currículo, ainda que o objeto de estudos não seja a própria tecnologia.
A perspectiva de conhecimento e currículo desenvolvidos em “contexto social e, originalmente, concebidos e construídos nesse contexto, (...) à luz da experiência partilhada” (GOODSON, 2001, p. 32 e 74) são coerentes com a pedagogia de projetos (PRADO, 2005), com a integração de tecnologias ao currículo, bem como orientam o trabalho com projetos que têm as tecnologias como suporte à sua realização.
O conceito de projeto implica compatibilizar aquilo que se deseja de uma nova abordagem de ensino e aprendizagem com a realidade do sistema escolar e com os propósitos da atividade em cena, a qual envolve colocar em ação um plano que antecipa uma realidade que ainda não aconteceu. Sob este enfoque Almeida (2002, p. 50) enfatiza que “o ser humano desenvolve projetos para transformar uma situação problemática em uma situação desejada a partir de um conjunto de ações que ele antevê como necessárias”.
Plasticidade, abertura e flexibilidade são características intrínsecas a projetos, cuja proposição inicial representa uma negociação com os sujeitos de aprendizagem que leve em conta seus interesses, intenções e condições para descobrir algo novo, produzir conhecimento ou criar produtos, delineando “um percurso possível que pode levar a outros, não imaginados a priori” (FREIRE e PRADO, 1999, p. 113).
Esta concepção teórica de projeto não é simples de ser concretizada. Embora seus princípios fundamentem as propostas pedagógicas inovadoras, o fato é que no momento da ação nem sempre constatamos a sua presença nas atitudes e nos encaminhamentos pedagógico do professor. Esta situação deixa evidente que o saber dizer não garante o saber fazer, pois trata de uma questão que retrata a complexidade do processo de reconstrução da prática. Neste processo, Prado (1996) salienta que a mudança de concepções e atitudes não pode ser vista e tratada como ato mecânico; implica enfrentar desafios relacionados à reconstrução da prática, processo que envolve vivência reflexiva sobre a própria prática, articulada com novos referenciais e concepções.
Com base nestes princípios e concepções, os aspectos fundamentais a enfatizar no processo de integração de tecnologias ao currículo no trabalho com projetos é a produção colaborativa de conhecimentos, o uso da tecnologia na aprendizagem e no desenvolvimento do currículo.
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